Ser mulher de um piloto profissional é antes de tudo, ser
uma especialista em extraterrestres. Toda mulher que casa com um aeronauta
entra para a Aviação. Não tem como fugir, ou ela aprende a falar a linguagem
dos tripulantes ou torna-se a burrinha da história.
Considerados turistas bem remunerados, os aeronautas
hospedam-se em hotéis cinco estrelas, conhecem os melhores restaurantes e criam
hábitos sofisticados, independentemente de suas vontades.
À força de perambular por aeroportos nacionais e
internacionais, conviver com outros povos e outras línguas, conhecer hábitos,
artes, artimanhas, e todos eles com etceteras, suas cabeças são bombardeadas a
cada voo com novos e irregulares conhecimentos.
Daí, quando eles atravessam o salão de um aeroporto com
seus uniformes, que a maioria detesta, impecáveis e com aquele ar de quem vive
num mundo inconsútil e sabe das coisas, trazem consigo uma aura de grande
romantismo e charme; eles podem ser até barrigudinhos e feios, o charme é
inevitável.
São assediados e incentivados a ter aventuras amorosas,
como qualquer marinheiro. Isso não quer dizer que todo tripulante seja amante
da comissária. Há exceções, não mais que o médico com a enfermeira ou o chefe
com a secretária. De um modo geral, são ligadíssimos a suas famílias, que são
seu lado terráqueo.
Suas mulheres convivem com este risco, assim como
convivem com o risco de verem um programa de televisão ser interrompido para
darem a notícia de que “acaba de cair um avião, assim, assim, voltaremos em
instantes com maiores detalhes.”
Um dia, ao ouvir uma notícia destas, uma amiga casada com
um comandante ligou horários e possibilidades e desesperou-se. Ligou para a
companhia sem se identificar, pedindo mais informações sobre o acidente. Quem
atendeu, tentando acalmá-la, disse:
- Minha senhora, não se preocupe, era só um voo de
treinamento. Morreram só os tripulantes.
Claro que eu não vou escrever o que ela disse ao
informante.
Quando um piloto morre em vôo é porque alguma coisa o
traiu. A máquina, a natureza a percepção. Todo piloto morto voando, morreu à
traição. Por isso, dói de forma diferente em todos os outros, sentir o
companheiro traído - às vezes por tão pouco, apenas uma fração de qualquer
coisa.
Então, sufoca e deprime inquieta e magoa ter toda a
vastidão e depender de milésimos e milímetros. Daí talvez aquele algo diferente
existente neles.
Quando eles chegam de um vôo, trazem nos sapatos a poeira
do mundo, nos cabelos o pó das estrelas e nos olhos um cansaço cósmico.
Penalizados pelo diferencial de pressão atmosférica e pelo fuso horário,
sentem-se exaustos de imensidão. Incompatibilizados com fronteiras, levam horas
para adaptar-se ao micro dia-a-dia.
Metade gente, metade ficção não podem, ao chegar de um
voo, ser recebidos de maneira prosaica. Jamais os receba assim:
- O Jr. vai perder o ano!
-Roubaram aquele relógio que foi do seu pai!
-Hoje é dia 15 e o dinheiro já zerou!
De difícil convívio, fortes candidatos a neuroses e
depressões, já saem do avião defasados de realidade. Mas esta realidade só pode
ser ministrada em doses homeopáticas, sem o que, eles estuporam. Contudo, não
há motivo para desesperar-se.
Dentro daquelas inconfundíveis maletas que eles usam você
encontrará toques de carinho. Uma revista italiana, um bombom suíço, um perfume
francês ou uma escultura nigeriana. Também poderá ouvir frases assim:
-Estava com tantas saudades e tanta pressa em chegar que
larguei todas as porteiras do céu abertas.
Outra coisa que também os mantém profissionalmente de
rédea curta: os exames periódicos. Qualquer profissional, por mais importante e
sofisticada que seja sua área, forma-se, faz mestrado, cursos, mas nunca outro
vestibular eliminatório. Com o tripulante é diferente. Até os 40 anos, ele tem
uma espécie de vestibular anual, depois desta idade passa a ser semestral. Lá
vão eles para os rigorosos e altamente sofisticados exames físico, psíquico e
técnico. Todos são eliminatórios. É mais uma dura realidade deste duro mundo
aviatório. Cortados de voo se não preencherem 100% de cada requisito, eles têm
uma segunda chance se, dentro de um rígido prazo estipulado pelo setor em que
foram eliminados, conseguirem recompor-se integralmente. Naturalmente, os
leitores estão pensando:
-Mas é claro! A vida de muita gente depende das mãos e da
cabeça destes senhores! É, tudo bem!
Então por que a sociedade é tão condescendente com os
senhores médicos, senadores, deputados, vereadores e o até com o Presidente?
Por que nenhum candidato precisa fazer exame nenhum? Para fazer e acontecer com
a vida e o dinheiro, não de alguns como os senhores passageiros, mas de todo
cidadão, indefeso nas mãos deles. Por isso vemos o mundo nas mãos de
incompetentes. Com raríssimas e honrosas exceções. Pensem nisso.
Então, de repente, os tripulantes têm que fazer greve
para sobreviver decentemente. Um tripulante em greve por melhores salários é
uma coisa tão absurda como se os aviões entrassem em greve por uma melhor
manutenção.
Para a segurança de voo, nem tripulante e nem avião,
podem ser mantidos com o mais ou menos; a sofisticação técnica e profissional
só se mantém com o melhor. Cada dia mais.
Assim, se eu estiver viajando numa companhia, na qual os
aeronautas estejam fazendo “operação tartaruga”, peço licença ao senhor
comandante pego o microfone e digo:
- Senhores passageiros, por favor, desapertem os cintos
saiam devagar, desçam a escada e corram. Procurem outra companhia, porque esta
está economizando em cima de sua segurança. E você aí, que de avião só sabe quando
olha para cima, saia de baixo...
Dr Augusto Cury.
Médico psiquiatra brasileiro e escitor.
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